terça-feira, abril 29, 2014

Mia Couto e seu colar de miçangas incomuns

OP
http://outraspalavras.net/destaques/mia-couto-e-seu-colar-de-micangas-incomuns/


Mia Couto e seu colar de miçangas incomuns

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Escritor moçambicano conta que tece novos mundos substituindo eurocentrismo e ciência-absoluta por aposta em seres múltiplos, pós-valor e olhar não-cartesiano
Entrevista exclusiva a Rôney Rodrigues
Nu e cru, eis o fato: Mia Couto cola miçangas. Com sua fala macia, vai compondo as palavras, devagar, com esmero, e sem que nem mesmo percebamos o fio articulador, está pronto um “colar vistoso”. “Assim é a voz do poeta”, explica em um texto. “Um fio de silêncio costurando o tempo”.
E o escritor moçambicano já costurou muitos fios em seus 58 anos. Escreveu 23 livros, traduzidos para seis idiomas e publicados em mais de vinte países. Em 2013, venceu o Prêmio Camões – o mais importante da língua portuguesa – e o Prêmio Literário Internacional Neustadt, considerado o Nobel norte-americano. Biólogo de formação, Mia Couto também dirige uma empresa que realiza estudos de impacto ambiental em Moçambique e é professor de ecologia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Antes que a entrevista comece, neste 14 de novembro de 2013, ele me conta um pouco de seu último livro, “Cada Homem É uma Raça”. “O título é tirado de um diálogo que eu imaginei; um diálogo entre a polícia e um vendedor de pássaros”, explica. “A polícia pergunta para esse vendedor qual é a sua raça. ‘A minha raça sou eu, João Passarinheiro.’. Explique-se melhor, disse a ele o policial. E ele disse: ‘minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia’.
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Enquanto toma um gole de café, queixa-se que seu relógio biológico está desregulado, afinal o fuso horário de cinco horas entre Moçambique e Brasil ainda o abate, embora as viagens sejam costumeiras. Cansado então? “Não, agora já estou acostumado”. Não acreditei. Mas não precisamos acreditar em tudo, não é verdade?
PARTE UMIsso que se chama realidade
Uma vez você disse que os moçambicanos – assim como os brasileiros – concebem e aceitam a realidade de uma maneira pouco realista. Mais ou menos vivemos em uma história de realismo mágico?
De fato, temos tipos de culturas misturadas, miscigenadas, e essa mestiçagem se fez com nações, culturas, sentimentos e sensibilidades olhassem essa categoria chamada realidade de outra maneira e não fizesse a fricção entre o que é certo ou não certo. Tanto o Brasil como Moçambique são países que resultaram dessa emergência, dessas sensibilidades diferentes. Essas culturas – vou falar no caso de Moçambique – têm uma diferente maneira de olhar essa linha de fronteira entre o que é verdadeiro, o que é falso, o que é mágico e o que é real. Isso, obviamente, impregnou nossos países a olhar a realidade com uma interrogação. Os próprios europeus, que têm essa filosofia que valoriza tanto essa chamada realidade, criaram isso que se chama “realismo mágico”. De qualquer maneira, nunca seria um brasileiro, um latino-americano ou um africano a inventar a categoria de realismo mágico porque nós temos outro olhar. Trata-se de uma filosofia – de um modo de estar de estar no mundo – de um povo que não leva muito a sério o chamado sentido da realidade e não se deixa intimidar por uma certa racionalidade que é muito normativa em relação à necessidade de festejar o corpo e a alegria de viver.
Essas classificações são porosas, claro. Você acha que elas ajudam a gente entender os processos?
Nós temos uma tendência natural, digamos assim, para criar esses compartimentos e pensar nos estereótipos à base de clichês. A única maneira é essa: construir para nos desconstruir. Se nós não nos tomarmos muito a sério, de maneira que não nos arrumem a nós e que seja uma ferramenta que a gente possa usar e desfazer – tendo consciência dela –, tudo bem. Mas pensar em classificar também me parece uma preocupação que temos por influência de certa filosofia europeia.
Você costuma falar que contar história é uma maneira de rezar. Queria que você me falasse como essa reza ajuda a recuperar as histórias contadas dos outros.
Toda literatura faz isso. Quer dizer, há todo um convite para essa realidade, que foi nossa primeira pátria. Não aconteceu comigo, na minha casa, por essa circunstância particular de se contar muitas histórias, mas todos nós nascemos crianças e chegamos à palavra por via desse pensamento. Não é só um assunto técnico – de estar escrito –, mas é um modo de estar aberto, em sintonia com o que é visível e não-visível. Nos deixamos guiar pela palavra, somos absorvidos por ela, somos produtores dela. E isso a literatura resgata. É como dizer: “vamos permitir que uma certa infância se reinstale dentro de nós”. É isso que me faz feliz em ser escritor, é, sobretudo, eu ter feito contas com minha identidade, dizendo assim: “eu não sou uma única pessoa, sou várias, ao mesmo tempo sou tudo isso, tem uma parte negra, uma parte branca, uma parte mulher, uma parte homem, uma parte cientista, uma parte poeta”.
PARTE DOISOs comedores de nações
Era 12 de junho 2001 e Mia Couto subiu ao palco da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para receber o prêmio Mário António Fernandes de Oliveira – atribuído de três em três anos – por “O último voo do flamingo”. Tinha na ponta da língua o que dizer:
O último voo do flamingo fala de uma perversa fábrica de ausência – a falta de uma terra toda inteira, um imenso rapto de esperança praticado pela ganância dos poderosos”, pronunciou. “O avanço desses comedores de nações obriga-nos a nós, escritores, a um crescente empenho moral”.
E desse empenho moral, Mia Couto entende: participou da luta pela independência de Moçambique, quando se juntou à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Nunca pegou em uma arma de fogo porque os insurgentes proibiam brancos de andarem armados. A arma, desde aquela época, era a mesma de hoje: caneta e papel.
O que é a fábrica de ausências?
Hoje, infelizmente, não há nenhum país que não esteja nessa condição. Desde o início, desde crianças, nós somos colocados numa circunstância de consumir: consumimos filmes, sons… Consumimos o tempo que já não tem tempo para nós. Precisa-se devolver essa condição de produtor, de maneira que, desde o início, desde que a criança começa a enxergar o mundo, se aceite que ela tem um discurso próprio – mesmo que esse discurso seja completamente errado aos olhos do adulto, mesmo que ele seja só no nível da poesia. Quando a criança pergunta – ou quer se encantar por qualquer coisa, seja a chuva, a nuvem, o vento –, que seja aceito esse discurso como uma coisa que está sendo criada e, portanto, é uma construção que não deve ser interrogada se é errada ou não. A criança se coloca como sujeito de si próprio e parte dos adultos tem a tentação de corrigir a criança, dizendo: “não, o vento não é isso o que estais a dizer?”, e explica o que é o vento. Isso promove uma maneira de ver hegemônica, fundada na ciência. Precisamos reinventar o mundo.
E esse seria o “empenho moral” do escritor?
Sim, construir o espaço do sonho possível. Numa sociedade em que o valor está, simplesmente, no que pode ser comprado e vendido, alguma coisa tem que ir além disso: o prazer que temos em sermos outros, em sonharmos, em viajarmos através do outro. A preservação desse espaço está para além da razão do lucro e do mercado. Esse é o nosso empenho moral e nos interessa que o livro seja capaz de produzir esse território do conhecimento.
Você esteve ligado à Frelimo, que buscava a independência de Moçambique. Na medida do possível, essa independência chegou?
Não. Moçambique precisa conquistar um caminho próprio, um caminho que seja original. Essas são as grandes urgências da nossa sociedade. Moçambique não teve tempo. Na verdade, o que houve foi que não lhe é dado esse tempo, uma nação tem que se integrar no mundo e esse mundo é ditado por essa pratica de ser global e de se encaixar na economia. Eu sei que é uma coisa muito utópica, mas poderíamos ter esse tempo e espaço para criarmos uma via própria – que poderia não ter o nome concreto de socialismo ou capitalismo – uma via que dê mais respostas à nossa própria cultura, à nossa própria realidade.
Mas como desbloquear essa via, que parece estar sempre impedida, usando uma expressão sua, pelos “comedores de nações”?
Essa é uma resposta que eu não tenho. O que eu acho é que estamos todos perdidos em relação a isso, pois vivemos esses confrontos. Não é um caso só pra Moçambique: o Brasil também vive isso. Não há nação que não viva isso, mas podemos ter uma identidade própria e não uma que seja reproduzida e imposta por uma coisa que não tem rosto. Precisamos estar conscientes de que esse caminho não nos serve mais, mas ainda estamos todos apalpando no escuro.
Algumas pessoas se referem à sua literatura como altamente politizada, também por sua história de militância. Você a vê assim?
Queria que ela fosse, em primeiro lugar, literatura. E que fosse política só na medida em que ela fosse literatura. Toda literatura é política. Essa classificação é demasiadamente apolítica e me é preocupante, acaba por deixar escapar outra coisa que é mais importante. A biologia narra a história da vida. E a literatura também: é a arte de celebrar o fato de estarmos vivos.
PARTE TRÊSPoeiras e cinzas do chão
Em o “Afinador de Silêncios”, Mia Couto, provavelmente recordando-se de sua infância tímida – “refinando silêncios, no plural” – adverte que “uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros”. E conclui: “eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio”. Queria saber quando é que o escritor decide romper esse silêncio.
Você se recorda de quando se sentiu absorvido pela palavra?
Sim, sobretudo quando eu escutava murmúrios – nunca foi pela voz proclamada, não uma coisa que se dissesse em voz alta – mas algo que sussurrava: os murmúrios das histórias que minha mãe me contava. Era como se a história fosse meu leito, onde eu me deitava naquele momento de transição entre a vigília e o dormir. A palavra me conduzia.
Você já disse uma vez o silêncio é uma música em estado de gravidez. Quando a papel está em branco ou a tela do editor de textos aberta à sua frente, como você apura esse silêncio para tentar transformar em encantamento?
A relação com o silêncio é importante para mim, porque eu tive que aprender e isso teve uma importância decisiva. Não apenas porque meu pai era um poeta, mas porque vivíamos em estado de poesia em nossa casa. O meu pai ensinou uma coisa: olhar para as pequenas coisas, ao jeito das lições de Manoel de Barros, procurando brilhos entrepoeiras e cinzas do chão. Ele nos ensinou também a ouvir poetas em noites de poesia com ele e poetas amigos. A palavra era como se fosse música. A minha origem – parte de mim, que é meu pai – me ensinava que o silêncio era um vazio, e era preciso ocupá-lo. Havia um medo do silêncio e, esse mesmo medo fazia com que a gente conversasse para ocupar o silêncio. Mas acho que a África me deu muitos silêncios e algumas coisas eu não teria, se não fosse daquele lugar. Ali o silêncio não é uma ausência, é uma presença. Alguém sempre está falando conosco quando não dizemos nada. O trabalho foi de me fazer recuar diante do medo, deixar de temê-lo e perceber que no silêncio há qualquer coisa pedindo para ser escutada.

segunda-feira, abril 21, 2014

3% de grandes proprietários controlam metade das terras na Europa

esuqerda
http://www.esquerda.net/artigo/3-de-grandes-proprietarios-controlam-metade-das-terras-na-europa/32277



3% de grandes proprietários controlam metade das terras na Europa

Um relatório do Transnational Institute alerta para a concentração fundiária na Europa, um fenómeno que se agravou nos últimos anos e conta com a ajuda da Política Agrícola Comum, cujos subsídios cavam as desigualdades. Artigo de Sophie Chapelle, do portal Basta!
Capa do relatório sobre a concentração e açambarcamento de terras na União Europeia.
Os fenómenos de concentração e açambarcamento de terras não dizem respeito apenas a África ou Ásia. Os grandes proprietários fundiários também estão muito ativos na União Europeia. É o que mostra uma infografia publicada a 14 de abril pela organização Transnational Institute (ver eminglês ou francês), com sede em Amesterdão. Os dados são aterradores: 3% das maiores explorações agrícolas controlam 50% das terras na União Europeia! À semelhança do que acontece em França (ver a nossa investigação), estas explorações crescem em detrimento das pequenas explorações. Entre 2003 e 2010, o número de explorações inferiores a 10 hectares (10ha) diminuiu um quarto. Ao mesmo tempo, as explorações acima dos 50 ha estenderam-se por 7 milhões de hectares, ou seja a superfície da Irlanda!
Esta corrida aos hectares afeta em primeiro lugar a Europa de Leste. A Hungria, a Roménia e a Sérvia são os países europeus mais cobiçados pelos investidores estrangeiros. 500 mil hectares na Sérvia, ou seja 15% das terras agrícolas, foram assim açambarcadas por sociedades comerciais, sublinha o Transnational Institute (ver também o nosso artigo sobre a Roménia). A estes fenómenos de concentração e de financiarização das terras agrícolas, junta-se o problema da artificialização das terras. Entre 2005 e 2010, a superfície agrícola  perdeu 227.200 hectares em França, ou seja a superfície do Luxemburgo recuperada em benefício do betão e das zonas comerciais. Mas neste domínio, é a Alemanha que leva um bom avanço.
Subsídios que cavam as desigualdades
O Transnational Institute também destaca o papel da Política Agrícola Comum (PAC), que incita ao crescimento das explorações e à concentração de terras. Desde 1992, os apoios dados aos preços dos produtos agrícolas foram substituídos por subsídios à produção. Por outras palavras, quanto maior a superfície da exploração mais ajudas recebe o agricultor. Resultado: em 2011, 1,5% das maiores explorações agrícolas receberam um terço dos subsídios da PAC. Estas desigualdades na atribuição das ajudas são também geográficas: a Europa do Oeste, que representa 44% das explorações agrícolas, recebeu 80% dos subsídios - contra 20% para a Europa do Leste.
Este trabalho de infografia apoia-se nos dados de um relatório da ECVC (Coordenação Europeia da Via Campesina) e da Alliance Hands-Off The Land
Quem são os principais beneficiários destas ajudas? Não são os agricultores mas sim as empresas do sector agroalimentar. Desde 1997, a Friesland Campina, uma cooperativa holandesa de laticínios, recebeu 1.6 mil milhões de euros de subsídios! A empresa francesa Saint Louis Sucre (filial da alemã Südzucker) beneficiou de 196 milhões de subsídios desde 2004. E no Reino Unido, a multinacional Nestlé embolsou 197 milhões de euros.
Este trabalho de infografia apoia-se nos dados de um relatório da ECVC (Coordenação Europeia da Via Campesina) e da Alliance Hands-Off The Land (ver em inglês). As organizações apelam aos poderes públicos para uma “redução da mercantilização da terra e promoção da gestão pública dos territórios”. Eles defendem qua seja dada prioridade aos pequenos agricultores que promovem a agricultura camponesa e a produção alimentar sustentável. E propõem a criação de um banco de dados que permita acompanhar as transações fundiárias dos governos e das empresas. Com o objetivo, esperam eles, de travar o desaparecimento  programado dos pequenos produtores.

Publicado no portal Basta!. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.
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quinta-feira, abril 17, 2014

“Os Burgueses": Estudo ajuda a compreender porque querem tornar Portugal num país inviável

esquerda.net
http://www.esquerda.net/artigo/os-burgueses-estudo-ajuda-compreender-porque-querem-tornar-portugal-num-pais-inviavel/32244



“Os Burgueses": Estudo ajuda a compreender porque querem tornar Portugal num país inviável

No lançamento de “Os Burgueses”, Francisco Louçã diz que o estudo ajuda a compreender os motivos que levam a classe dominante a mergulhar Portugal no empobrecimento. Obra de mais de 500 páginas estuda a vida social das mil pessoas que constituem o núcleo que ocupa os lugares fundamentais de poder. D. Januário Torgal e José Manuel Sobral apresentaram, Mário Soares, João Cravinho, Carvalho da Silva, entre outros, estiveram presentes.
Na mesa estiveram os três autores e D. Januário Torgal Ferreira e José Manuel Sobral, que apresentaram. Foto de Catarina Oliveira
Na mesa estiveram os três autores e D. Januário Torgal Ferreira e José Manuel Sobral, que apresentaram. Foto de Catarina Oliveira
Mais de cem pessoas foram na terça-feira ao lançamento do livro “Os burgueses”, de autoria de Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa, em Lisboa. A obra de mais de 500 páginas, que se dedica a dissecar as cerca de mil pessoas donas de mais de metade do produto nacional do país, foi apresentada pelo ex-bispo das Forças Armadas D. Januário Torgal Ferreira e pelo sociólogo José Manuel Sobral.
Entre os presentes estavam o ex-presidente da República Mário Soares, os socialistas João Cravinho e Vítor Ramalho, o ex-secretário-geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva e os coordenadores do Bloco de Esquerda
Entre os presentes estavam o ex-presidente da República Mário Soares, os socialistas João Cravinho e Vítor Ramalho, o ex-secretário-geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva e os coordenadores do Bloco de Esquerda, Catarina Martins e João Semedo, bem como o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares.
D. Januário Torgal abriu a apresentação com uma intervenção muito viva e ao mesmo tempo erudita, até porque “não podia parecer mal entre dois catedráticos” e outro que “lá há-de chegar”. Terminou com um desafio: que venha um trabalho de profundidade semelhante sobre o proletariado.
José Sobral concluiu a sua intervenção com uma certeza: a que diante da desigualdade crescente que se observa em Portugal, o protesto dos despossuídos acabará por encontrar canais para se expressar.
Estudo inédito
Os Burgueses"Os Burgueses" estuda as cerca de mil pessoas que dominam o país
“Os Burgueses” corresponde a um trabalho de investigação de dois anos, que mobilizou uma equipa mais ampla que os três autores, com destaque para os jovens investigadores Nuno Moniz e Adriano Campos, que trabalharam na base de dados de ministros e secretários de Estado, e as suas ligações com os negócios e as empresas.
A primeira parte da obra incide sobre a construção do poder social da burguesia portuguesa, sobretudo nas últimas décadas. Inclui o estudo inédito dos percursos dos 776 membros de todos os governos constitucionais e da sua cooptação pelas principais empresas financeiras, do PSI20 e das parcerias público-privadas.
A segunda parte estuda a vida social deste milhar de pessoas que constitui o núcleo da classe dominante e que ocupa os lugares fundamentais de poder: onde moram, as escolas que frequentam, os seus casamentos e alguns dos seus luxos.
A terceira parte procura responder a uma nova pergunta sobre esta relação de poder. Se de um lado estão os 99% e do outros os 1%, porque são estes que mandam? O livro parte da expansão das máquinas de produção de senso comum para uma teoria do poder. Publicidade, telenovelas, discursos das autoridades e de telejornal, concursos, livros infantis, homilias, literatura kitsh, exames de faculdade - esta análise inclui todas estas formas de criação de mitos e geração de desejo e representação que sustentam a hegemonia burguesa.
A obra em papel complementa-se com o site Os Burgueses, onde estão disponíveis documentos, elementos gráficos, bases de dados, resumo dos capítulos e outros materiais deste estudo.
Livro é uma das chaves para compreender por que esta classe afirma hoje que Portugal se tornou num país inviável. 
Dizem-nos que Portugal é um país inviável”
Na última intervenção da noite, Francisco Louçã, que falou depois de Teixeira Lopes e Jorge Costa, disse que o conhecimento de quem é, de onde veio e como se organiza a burguesia portuguesa é uma das chaves para compreender por que esta classe afirma hoje que Portugal se tornou num país inviável. “Esta é a única conclusão que podemos tirar quando o próprio Presidente da República nos diz que o país terá de viver mais 20 anos de empobrecimento”.
Compreender as ligações da burguesia portuguesa com o capital internacional, a relação, no concreto, que as suas empresas mantêm perante o mundo globalizado, a sua relação de dependência face ao capital internacional talvez ajudem a explicar esta política de empobrecimento, de definhamento do país – que adotou o nome de austeridade – que os que mandam no país querem eternizar.
O livro, editado pela Bertrand, já está à venda nas livrarias e custa em torno de 20 euros.


quarta-feira, abril 16, 2014

DEADLY ENVIRONMENT THE DRAMATIC RISE IN KILLINGS OF ENVIRONMENTAL AND LAND DEFENDER

global witness
http://www.globalwitness.org/deadlyenvironment/

DEADLY ENVIRONMENT

THE DRAMATIC RISE IN KILLINGS OF ENVIRONMENTAL AND LAND DEFENDER



PDF
http://www.globalwitness.org/sites/default/files/library/Deadly%20Environment.pdf


ABOUT

This report looks at known killings of people defending environmental and land rights. It identifies a clear rise in such deaths from 2002 and 2013 as competition for natural resources intensifies. In the most comprehensive global analysis of the problem on record, we have found that at least 908 people have died in this time. Disputes over industrial logging, mining and land rights are the key drivers, and Latin America and Asia-Pacific particularly hard hit.
Deadly Environment also highlights a severe shortage of information or monitoring of this problem, meaning the total is likely to be higher than the report documents. This lack of attention is feeding endemic levels of impunity, with just over one per cent of the perpetrators known to have been convicted.
Overall, the report shows how it has never been more important to protect the environment, and it has never been more deadly. It calls on national governments and the international community to act urgently to protect the environment and the citizens who defend it.
Global Witness campaigns to end the unfair and unsustainable exploitation of natural resources, so that all can thrive within the planet’s boundaries. We address the root causes of the exploitation that destroys lives and threatens life-supporting ecosystems.

*A time lag on reporting means killings for 2013 are likely to be higher than we have been able to show here.

terça-feira, abril 15, 2014

Monte Roraima: caminhadas, observação de aves e bolivarianos em crise (parte 3)

o eco
http://www.oeco.org.br/olhar-naturalista/28214-monte-roraima-caminhadas-observacao-de-aves-e-bolivarianos-em-crise-parte-3

Por aí com Darwin e uma Canon. Meditações, viagens, opiniões e incorreções políticas de Fábio Olmos, um biólogo viajante que acha que quanto mais você sabe, mais você vê.

Monte Roraima: caminhadas, observação de aves e bolivarianos em crise (parte 3)
Fábio Olmos - 14/04/14

Figura-31O Maverick, ponto culminante do Roraima, visto de nosso hotel. Foto: Rita Souza
Dormimos muito bem sob um friozinho de 9 graus e um belo dia nos saudou. Novamente subimos o Maverick, agora sob um tremendo vento, para fazer algumas das fotos obrigatórias do Roraima antes do café da manhã e partir para uma longa caminhada pelo platô. Antes de sairmos fomos visitados por tico-ticos, fura-flores e um beija-flor-violeta Colibri coruscans, outra novidade para nosso grupo.
Partimos rumo ao vale do Arabopó, um dos rios que nascem no platô e despencam lá de cima em fendas que cortam o interior da montanha. Durante a caminhada era difícil escolher qual formação de rochas era mais interessante e você quase acredita nas histórias de que as pedras mudam de posição durante a noite. Lógico, não há nada sobrenatural envolvido, apenas o poder erosivo do vento e da água, mediados por biofilmes, sobre camadas de arenito com resistências diversas. O que não é menos impressionante.
Além das rochas a vegetação é uma atração à parte. As espécies mais comuns são as Stegolepis guianensis, mas há várias orquídeas, algumas bromélias e muitas plantas carnívoras. Onde o solo é mais profundo, como em alguns vales, crescem arvoretas Bonnetia roraimae, que também ocorrem na floresta nebular abaixo.
As plantas tendem a crescer em "ilhas" de sedimento cercadas por muita rocha nua e o acúmulo gradual de matéria orgânica e partículas minerais faz com que essas cresçam e possam sustentar espécies de maior porte. As depressões na rocha, por sua vez, acumulam muita água, formando poças e piscinas onde crescem cianobactérias que formam melequentos tapetes roxos. Imaginamos se estas melecas roxas poderiam evoluir para algo como o Blob.
Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas
Figura-32Figura-33Figura-34
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Essa é uma caminhada longa e cansativa (fizemos 17 km neste dia) e ao chegarmos ao Arabopó encontramos o vale inundado, o que nos fez decidir mudar de rota e ir para o Fosso. Essa é uma cavidade inundada que abre para o exterior através de um poço vertical. Seu interior mostra colunas que suportam o teto e espeleotemas formados com mediação do biofilme que encrusta as rochas, um bom exemplo de como biologia e geologia se combinam.
Nossa equipe de apoio já havia providenciado um almoço, que nos aguardava quando chegamos, e após um bom banho e explorar os arredores começamos a longa caminhada de volta ao nosso hotel.
Mais aves
"o grande momento foi observar dezenas de guácharosSteatornis caripensisrepousando nas prateleiras ao longo do paredão do canyon que é a fenda (...)"
No dia seguinte, que começou com um sol glorioso e céus limpos, optamos por uma abordagem mais ornitológica e após o café da manhã fomos diretamente ao "hotel" Guácharo, onde uma ave desta espécie havia tentado nidificar. Só encontramos mais turistas acampados ali, então decidimos ir à famosa Fenda dos Guácharos (ou dos "demônios voadores", como querem alguns) para observar estas aves.
É uma caminhada mais curta, mas não com geologia não menos dramática, que rendeu visões rápidas de duas espécies adicionais de beija-flores. Mas o grande momento foi observar dezenas de guácharos Steatornis caripensis repousando nas prateleiras ao longo do paredão do canyon que é a fenda, um dos pontos altos da viagem para nosso grupo de observadores de aves.
Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas
Figura-37
Figura-38Figura-39
Figura-40
Os guácharos são aves noturnas que se alimentam de frutos, especialmente de palmeiras, e formam colônias em cavernas e fendas profundas abrigadas do sol. Eles têm um sistema de ecolocação similar aos morcegos e sua voz faz jus à história dos demônios voadores. Os do Monte Roraima devem voar boas distâncias até as áreas de floresta para encontrar seu alimento.
Banho gelado
Da Fenda retraçamos o caminho até a Praça Central e dali até as Jacuzzis, um conjunto de piscinas naturais que é uma das atrações mais famosas do Roraima. No caminho passamos por um afloramento de cristais de rocha, formados por intrusões vulcânicas que penetraram no arenito. Muito mais duros do que este, os cristais acabam acumulando-se na superfície conforme o arenito é erodido e vira areia.
As Jacuzzi foram uma parada bem-vinda para um banho gelado (obrigatório) antes de retornamos para o hotel, almoçar e iniciar a descida para o acampamento Base, uma decisão que tomamos para evitar ter que caminhar do topo do Roraima até o Tek no mesmo dia, o que é bem puxado, e termos mais tempo para ir atrás de mais aves. Um gavião-de-rabo-branco Geranoaetus albicaudatus voava sobre o platô quando deixamos o acampamento, uma espécie não listada para o Monte Roraima mas frequente na Gran Sabana.
Figura-44As famosas Jaccuzzi. Foto: Fábio Olmos
O bom tempo ajudou durante este dia e após almoçar e guardar nossas coisas caminhamos de volta ao acampamento Base sem precisar nos encharcar com chuva ou sob as Lágrimas e com visão perfeita do paredão do Roraima. Nossa equipe de apoio desceu até o acampamento com humilhante rapidez e já víamos nossas barracas sendo armadas lá embaixo antes de chegarmos na metade do caminho.
Nossa lerdeza foi parcialmente causada pelas paradas para fotografar a paisagem e observar aves ao longo do caminho, onde reencontramos vários dos endêmicos, como o anambé, o fura-flor, o barranqueiro, a saíra e o asa-de-sabre, além do beija-flor-violeta. O que confirmou ser o trecho entre o Base e o paredão da montanha o melhor, em toda a caminhada, para observar aves.
De volta ao Base
"(...)próximos ao acampamento conseguimos atrair mais um bicho especial que foi devidamente fotografado, o ferreirinho-ferrugem Poecilotriccus russatus. Mais uma alegria para nosso grupo."
 
Chegamos no Base no final da tarde, ainda a tempo de observar as revoadas de Nanoppsittacas e novamente ficarmos frustrados por eles voarem tão alto e fotos serem impossíveis. Bom, ganha-se umas, perde-se outras.
O dia 14 de fevereiro foi nosso penúltimo dia e começou com uma manhã dedicada a procurar espécies que ainda não havíamos observado. Encontramos vários das espécies já conhecidas ao redor do acampamento Base, incluindo penetras vindos da savana mais abaixo como o sanhaçu-de-coleira Schistochlamys melanopis e a saíra-amarelaTangara cayana.
Tentamos atrair espécies que havíamos apenas ouvido e "pescamos" tocando as vozes de outras que poderiam ocorrer ali, mas não havíamos detectado, como um tucaninho verde que também é endêmico dali. Não tivemos sorte com eles, mas bem próximos ao acampamento conseguimos atrair mais um bicho especial que foi devidamente fotografado, o ferreirinho-ferrugem Poecilotriccus russatus. Mais uma alegria para nosso grupo.
Antes de partirmos ainda observamos duas espécies de andorinhões, um taperuçu-dos-tepuis Streptoprocne phelpsi voando em frente ao paredão e, na direção do Kukenan, dezenas de andorinhões-montanos Aeronautes montivagus, outra espécie compartilhada com os Andes e novidade para nosso grupo.
Rumo ao Tek
Figura-53Atravessando o Kukenan rumo ao acampamento no rio Tek. Foto: Fábio Olmos
"Cruzamos com muitos turistas, desde adolescentes a vovôs usando bengalas, conversando em alemão, francês, espanhol e eslovaco. Turistas americanos não são comuns por não serem bem-vindos"
 
Partimos rumo ao rio Tek, cada um no seu ritmo. Cruzamos com muitos turistas, desde adolescentes a vovôs usando bengalas, conversando em alemão, francês, espanhol e eslovaco. Turistas americanos não são comuns por não serem bem-vindos, embora os americanos sejam os maiores compradores do petróleo venezuelano.
Caminhar pelo parque me fez pensar em quantos secretários e ministros do meio ambiente brasileiros, para não dizer presidentes, foram ou são usuários das Unidades de Conservação? Quantos destes personagens, que tem nas mãos o destino de áreas insubstituíveis, são andarilhos, fotógrafos da natureza, montanhistas, observadores de aves, mergulhadores ou apenas frequentam estes espaços para relaxar?
Figura-54Nem só turistas usam o acampamento do rio Tek....
Isso para não dizer, quantos têm formação mínima sobre biodiversidade e ecossistemas? Para entender que um bagre do rio Madeira é diferente do bagre do pesque-pague, e porque uma barragem naquele rio é uma ideia ruim sem que seja necessária uma enchente para demonstrar uma das razões.
Acho que muitos poucos, o que explica parte do barbarismo do Brasil.
Fizemos uma parada para almoçar no rio Kukenan, logicamente com um mergulho no rio para esfriar e também desafiar os mosquitos-pólvora que queriam almoçar nosso sangue. Um turista eslovaco estava acampado ali por ter sido picado por uma aranha e não conseguir acompanhar seu grupo. Muito simpático, conversou com nosso grupo por um tempo e nos introduziu à bebida típica de seu país, a slivovitsa, um ótimo aguardente (ou melhor,palinka) feito de suco de ameixas. Eu amo a globalização.
Desejamos sorte ao nosso amigo e pouco depois chegamos ao acampamento do rio Tek, onde celebramos nossos lifers e a visita à montanha com latinhas de cerveja gelada e um generoso jantar. Grupos de turistas, incluindo muitos brasileiros, lotavam o lugar e também celebravam sua chegada ali.
Partimos cedo na manhã de 16 de fevereiro para vencer os 15 km até Paraitepui a tempo de visitar um outro ponto interessante que vimos no caminho desde Santa Elena e evitar chegar muito tarde em Boa Vista.
Figura-55Rumo a Paraitepui. É fogo...
Balanço
"o Parque Nacional Canaima existe há mais de 50 anos e é uma das grandes atrações turísticas da região, mas também é um parque com muitos problemas. As trilhas não estão preparadas para os usuários e degradam ambientes frágeis"
 
Minha chegada em Paraiepui depois dos 15 km desde o rio Tek teve o bônus de encontrar duas espécies de savanas, a corruíra-do-campoCistothorus platensis e o maxalagagá Micropygia schomburgkiicantando junto à vila. Depois de uma merecida bebida gelada demos baixa no livro de registros do parque antes de partirmos.
Como eu disse o Parque Nacional Canaima existe há mais de 50 anos e é uma das grandes atrações turísticas da região, mas também é um parque com muitos problemas. As trilhas não estão preparadas para os usuários e degradam ambientes frágeis como as turfeiras, além de erodir as encostas do Monte Roraima. É evidente que florestas continuam ser perdidas para o fogo e a agricultura e não vimos nenhum mamífero exceto cães domésticos. Faltam equipamentos como latrinas, mesmo simples arboloos que poderiam ser usados para reflorestar o entorno dos acampamentos .
Ignorando a lei que diz que Unidades de Conservação são um excelente indicador da eficiência de um governo, eu esperava mais de um país que já se orgulhou de ter um dos melhores sistemas de áreas protegidas na América Latina e ser revolucionário. O Monte Roraima merece mais cuidado.
Kako Paru
Figura-56Bônus geológico: Kako Paru, um rio que corre sobre um afloramento de jaspe vermelho. Foto: Fábio Olmos
"Este é um riacho, com talvez 10 m de largura, que corre e forma cachoeiras sobre um afloramento de jaspe vermelho, algo único no mundo."
 
A caminho de Santa Elena paramos no nosso bônus geológico, a cachoeira de Kako Paru, também no parque nacional. Este é um riacho, com talvez 10 m de largura, que corre e forma cachoeiras sobre um afloramento de jaspe vermelho, algo único no mundo. O jaspe é uma pedra semipreciosa formada em sedimentos ricos em sílica cozidos por fontes hidrotermais. Uma herança da atividade vulcânica que já existiu ali.
Filas, câmbio pior e notícias de conflitos
"Após nova parada para trocar os bolívares que sobraram (já desvalorizados na taxa de 1 para 32), fizemos boa parte da viagem rumo a Boa Vista no escuro. Isso mostrou a extensão dos incêndios que queimavam áreas enormes no norte do estado."
 
Em Santa Elena de Uraien encontramos filas quilométricas nos postos de combustível, soldados nas estradas e nervosismo. As notícias eram de que manifestações em outras partes do país haviam sido reprimidas e pessoas mortas pela polícia, ou que haviam tentado um golpe de estado. Paradas em lojas que supostamente teriam boas ofertas para turistas renderam prateleiras pouco abastecidas.
Após nova parada para trocar os bolívares que sobraram (já desvalorizados na taxa de 1 para 32), fizemos boa parte da viagem rumo a Boa Vista no escuro. Isso mostrou a extensão dos incêndios que queimavam áreas enormes no norte do estado. Nunca ficamos fora da vista de algum fogo e uma linha com pelo menos 3 km seguia paralela à estrada e queimava o lavrado e morros na Terra Indígena São Marcos. A piromania humana não perde uma chance de se manifestar.
Retornamos para casa em um voo noturno e logo procurei notícias sobre o que acontecia na Venezuela. Soubemos então que estudantes que perceberam que seu futuro foi roubado e gente comum cansada das filas, da falta de produtos básicos, da inflação absurda e da violência endêmica estavam nas ruas protestando contra um governo que não deixou outras opções para vozes discordantes.
Também vi como os pequenos stalins daqui manifestam seu apoio aos autoritários de lá e tentam confundir sobre quem são os fascistas nessa história.
Espero que a Venezuela saia desta confusão da forma mais indolor, e que nós, por aqui, aprendamos algo com o que acontece com nossos vizinhos. Democracia de verdade não é algo fácil e leva tempo para construir, mas as opções são muito piores.
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