domingo, maio 25, 2014

Portugal diante da opção Jangada de Pedra

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Portugal diante da opção Jangada de Pedra

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Humilhado pelo centro de poder europeu, resta ao país escolher a aventura democrática que José Saramago previu. Haverá, para tanto, forças e vontade?
Por Boaventura de Sousa Santos | Imagem: Nuno Madeira, Mar Português
No período pós-25 de Abril de 1974, a mistificação política nunca atingiu os níveis que hoje atinge. Mistificação consiste em fazer alguém acreditar numa mentira. A mentira é que o processo da troika terminou com êxito, que Portugal tem hoje melhores condições para se desenvolver como país europeu e que a reforma do Estado proposta garante a criação de uma sociedade mais equitativa.
Que o sucesso da troika seja o outro lado da hecatombe social que se abate sobre os portugueses empobrecidos; que as novas condições de desenvolvimento sejam as típicas de um país subdesenvolvido (emigração, trabalho e velhice sem direitos) que tínhamos deixado de ser; que a reforma do Estado proposta seja aquela que os países latino-americanos rejeitaram nos últimos 15 anos precisamente para construir sociedades mais equitativas — nada disso é relevante para a mídia ou entra no discurso político. No momento em que o país vive um momento político idêntico ao do Verão quente de 1975, só que de sentido político oposto, o Partido Socialista (PS), sem a coragem de então, pede que seja tornado público o conteúdo da carta de intenções com que se concluem os trabalhos da troika. Não se trata de enfrentar a mentira com a verdade, mas antes de certificar que a mentira é verdadeira. Com razão, o primeiro ministro Passos Coelho responde que a carta não contém nada de novo nem de extraordinário. Basta consultar aletter of intent da Irlanda de 29 de Novembro de 2013. A carta é a expressão do compromisso do país a aceitar como verdades as mentiras que acima referi e de agir em conformidade nas próximas décadas.
Para entender a força da mistificação em curso é preciso situar o atual momento no contexto histórico mais amplo. Talvez por durante séculos ser uma entidade frágil face ao Império Otomano, a Europa sempre foi muito ciosa dos seus centros, que idolatrou, e desdenhosa das periferias, que demonizou. No início do seculo XIX, o chanceler da Áustria, Metternich, proferiu uma frase famosa — “Asien beginnt an der Landstrasse” — a Ásia começa na Landstrasse, que era então uma rua dos subúrbios de Viena. Aí viviam os emigrantes dos Balcãs que, obviamente para os austríacos, não eram europeus.
Para entender isto é necessário recuar alguns séculos mais e observar a relativa rigidez histórica das relações entre centros e periferias dentro da Europa. Um centro mediterrânico que não durou muito mais do que século e meio (século XVI e metade do século XVII) foi suplantado por um outro que acabou durando muito mais e tendo um muito maior impacto estrutural. Este último foi um centro com raízes na Liga Hanseática dos séculos XII e XIII, um centro virado para o Atlântico Norte, para o mar do Norte e o Báltico, e englobando as cidades do Norte da Itália, França, Países Baixos e, no século XIX, Alemanha. Um centro sempre rodeado de periferias: no Norte, os países nórdicos; no Sul, a Península Ibérica; no Sudeste, os Balcãs; no Oriente, territórios considerados feudais (o Império Otomano e a Rússia semieuropeizada desde Pedro, o Grande). Ao fim de cinco séculos, só as periferias do Norte tiveram acesso ao Centro, o mesmo Centro que é hoje o coração da União Europeia.
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Este dualismo está mais arraigado na cultura europeia do que se poderia pensar e pode bem explicar algumas das dificuldades no modo como está a ser abordada a atual crise. O que parece ser só um problema financeiro e econômico é também um problema cultural e sócio-psicológico. Um exemplo poderá ajudar. Entre o século XV e o século XIX são muitos os relatos de viajantes e comerciantes do Norte da Europa sobre os portugueses e espanhóis e as condições de vida prevalecentes no Sul da Europa. O mais surpreendente nesses relatos é que atribuem aos portugueses e espanhóis as mesmas características que, na mesma época, os colonizadores portugueses e espanhóis atribuíam aos povos “primitivos” e “selvagens” das suas colônias. Eis algumas citações do século XVIII: “O português é mandrião, nada industrioso, não aproveita as riquezas da sua terra, nem sabe fazer vender as das suas colônias”; “os portugueses são altos, bem-parecidos e robustos, na sua maior parte muito morenos, o que resulta do clima e ainda mais do cruzamento com negros”. Ou seja, a miscigenação, que os portugueses consideravam o sinal benevolente da sua colonização, virava-se contra eles por via do preconceito colonial e racista. Quando hoje lemos na imprensa alemã notícias e comentários sobre os países do Sul da Europa, é fácil verificar que o preconceito colonial e racista ainda está bem presente.
No caso específico de Portugal, o seu estatuto de país periférico na Europa teve até agora três fases. O momento europeu de rejeição (1890-1930) foi concomitante com a partilha de África no final do século XIX (Conferência de Berlim, 1884-85, o Ultimato Inglês, em 1890), tendo pretendido tornar claro que Portugal era um país sem qualquer poder para influenciar o momento imperialista da Europa, mesmo sendo detentor do maior e mais antigo império colonial. Portugal era o centro de um império integrado noutro muito maior, de que o Império Português era apenas uma periferia. O segundo momento pareceu ter um sinal contrário. Ocorreu no final do século XX, tendo como precedente a Revolução do 25 de Abril de 1974 e, como início, a adesão à então Comunidade Econômica Europeia em 1986, hoje União Europeia (1974/1986-2011). Foi um momento exaltante para as elites portuguesas e para os portugueses que nelas confiaram.
Portugal tinha sido finalmente aceito pela Europa depois de séculos de rejeição e agora, em pleno fim da história, era só esperar pela convergência total com o Centro desenvolvido da Europa. E o movimento de convergência pareceu ser real até 2000. Digo “pareceu”, porque dados fiáveis do Deutsche Bank (Discussion Paper N.º 28/2013) mostram que nos últimos 40 anos não houve nenhuma significativa convergência de rendimentos no interior da UE, ainda que sejam identificáveis algumas variações. Depois de 2000, a ignorância militante dos nossos governantes e a insidiosa penetração do neoliberalismo no coração das instituições europeias fizeram com que as correntes subterrâneas da história voltassem à superfície.
O terceiro momento europeu, iniciado com a vinda da troika e concluído com a sua saída (2011-Maio de 2013), pareceu ser de início um novo momento europeu de rejeição disfarçada de aceitação, mas acabou por ser o momento de rendição com prisão preventiva e saídas precárias. Do Deutsche Bank ao FMI, os relatórios são unânimes em mostrar que Portugal, longe de convergir, vai continuar a divergir da Europa desenvolvida. Ou seja, o objetivo da integração na UE fracassou, um fracasso que, com doses brutais de mistificação, se apresenta como êxito. Depois da Guerra do Vietnã, nunca uma derrota se disfarçou tão bem de vitória. Dado o seu novo estatuto, Portugal, para não estorvar, tem de ser mantido dentro, mas do lado de fora, e vigiado.
Portugal sai da Europa seguro pela trela curta do euro e do tratado orçamentário. Não pode ir muito longe. Arranjará um lugarzito na soleira da porta da Europa, um país sem-abrigo por onde passarão regularmente as carrinhos da sopa humanitária. É digno de nós, como portugueses e como europeus, que não haja alternativas a este estado das coisas? Claro que não. Estará o atual sistema político-partidário em condições de explorar essas alternativas? Claro que não. Como em democracia há sempre alternativas, o regime atual é democrático? Claro que não. Haverá então alternativas democráticas, quer a nível nacional, quer a nível europeu, a este regime autoritário? Claro que sim. Para isso, é necessário que a jangada de pedra, tão premonitória, se afaste o suficiente para romper com a trela ou para forçar que ela seja refeita de modo a dar mais margem de liberdade ao movimento da jangada. Não esqueçamos que os cães são os melhores amigos dos homens. O cão de Saramago, Constante, no momento crucial de ter de decidir, optou pela Península Ibérica.

sábado, maio 24, 2014

A saída limpa...da Europa

carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/A-saida-limpa-da-Europa/30974


Colunista
21/05/2014 - Copyleft 
Boaventura de Sousa Santos

A saída limpa...da Europa

Portugal arranjará um lugarzito na soleira da porta da Europa, um país sem-abrigo por onde passarão regularmente os carrinhos da sopa humanitária.




No período pós-25 de Abril de 1974, a mistificação política nunca atingiu os níveis que hoje atinge. Mistificação consiste em fazer alguém acreditar numa mentira. A mentira é que  o processo da troika terminou com êxito, que Portugal tem hoje melhores condições para se desenvolver como país europeu e que a reforma do estado proposta garante a criação de uma sociedade mais equitativa. Que o sucesso da troika seja o outro lado da hecatombe social que se abate sobre os portugueses empobrecidos;  que as novas condições de desenvolvimento sejam as típicas de um país subdesenvolvido (emigração, trabalho e velhice sem direitos,) que tínhamos deixado de ser; que a reforma do estado proposta seja aquela que os países latino-americanos rejeitaram nos últimos quinze anos precisamente para construir sociedades mais equitativas –  nada disso é relevante para os média ou entra no discurso político.
 
No momento em que o país vive um momento político idêntico ao do Verão quente de 1975, só que de sentido político oposto, o Partido Socialista,  sem a coragem de então (será que a esquerda só tem coragem contra a esquerda?), pede que seja tornado público o conteúdo da carta de intenções com que se concluem os trabalhos da troika. Não se trata de enfrentar a mentira com a verdade mas antes de certificar que a mentira é verdadeira. Com razão, Passos Coelho responde que a carta não contém nada de novo nem de extraordinário. Basta consultar a letter of intent da Irlanda de 29 de Novembro de 2013. A carta é a expressão do  compromisso do país a aceitar como verdades as mentiras que acima referi e de agir em conformidade nas próximas décadas.

Para entender a força da mistificação em curso é preciso situar o atual momento no contexto histórico mais amplo. Talvez por durante séculos ser uma entidade frágil face ao Imperio Otomano, a Europa sempre foi muito ciosa dos seus centros, que idolatrou, e desdenhosa das periferias, que demonizou. No início do seculo XIX, o Chanceler da Áustria, Metternich, proferiu uma frase famosa – "Asien beginnt an der Landstrasse" –  a Ásia começa na Landstrasse,  que era então uma rua dos subúrbios de Viena. Aí viviam os emigrantes dos Balcãs que, obviamente para os austríacos, não eram europeus. Para entender isto é  necessário recuar alguns séculos mais e observar a relativa rigidez histórica das relações entre centros e periferias dentro da Europa. Um centro mediterrânico que não durou muito mais do que século e meio  (século XVI e metade do século XVII) foi suplantado por um outro que acabou durando muito mais e tendo um muito maior impacto estrutural.
 
Este último foi um centro com raízes na Liga Hanseática dos séculos XII e XIII, um centro virado para o Atlântico Norte, para o Mar do Norte e o Báltico, e englobando as cidades do norte da Itália, França, Países Baixos e, no século XIX, Alemanha.
 
Um centro sempre rodeado de periferias: no norte, os países nórdicos; no sul, a península ibérica; no sudeste, os Balcãs; no oriente, territórios considerados feudais (o império otomano e a Rússia semi-europeizada desde Pedro o Grande).
 
Ao fim de cinco séculos, só as periferias do norte tiveram acesso ao centro, o mesmo centro que é hoje o coração da União Europeia.

Este dualismo está mais arreigado na cultura europeia do que se poderia pensar e pode bem explicar algumas das dificuldades no modo como está a ser abordada a actual crise. O que parece ser só um problema financeiro e económico é também um problema cultural e sócio-psicológico. Um exemplo poderá ajudar. Entre o seculo XV e o seculo XIX são muitos os relatos de viajantes e comerciantes do Norte da Europa sobre os portugueses e espanhóis e as condições de vida prevalecentes no Sul da Europa. O mais surpreendente nesses relatos é que atribuem aos portugueses e espanhóis as mesmas características que, na mesma época, os colonizadores portugueses e espanhóis atribuíam  aos povos "primitivos" e "selvagens" das suas colónias. Eis algumas citações do século XVIII: “O português é mandrião, nada industrioso, não aproveita as riquezas da sua terra, nem sabe fazer vender as das suas colónias”; “os portugueses são altos, bem parecidos e robustos, na sua maior parte muito morenos, o que resulta do clima e ainda mais do cruzamento com negros".  Ou seja, a miscigenação, que os portugueses consideravam o sinal benevolente da sua colonização, virava-se contra eles por via do preconceito colonial e racista. Quando hoje lemos na imprensa alemã notícias e comentários sobre os países do sul da Europa é fácil verificar que o preconceito colonial e racista ainda está bem presente.

No caso específico de Portugal, o seu estatuto de país periférico na Europa teve até agora três fases. O momento europeu de rejeição (1890-1930) foi concomitante com a partilha de África no final do século XIX (Conferência de Berlim, 1884-85, o Ultimato Inglês, em 1890), pretendido tornar claro que Portugal era um país sem qualquer poder para influenciar o momento imperialista da Europa, mesmo sendo detentor do maior e mais antigo império colonial. Portugal era o centro de um império integrado noutro muito maior de que o império português era apenas uma periferia. O segundo momento pareceu ter um sinal contrário. Ocorreu no final do século XX, tendo como precedente a Revolução do 25 de Abril de 1974 e, como início, a adesão à então Comunidade Económica Europeia em 1986, hoje União Europeia  (1974/1986-2011). Foi um momento exaltante para as elites portuguesas e para os portugueses que nelas confiaram. Portugal tinha sido finalmente aceite pela Europa depois de séculos de rejeição e agora, em pleno fim da história, era só esperar pela convergência total com o centro desenvolvido da Europa. E o movimento de convergência pareceu ser real até 2000. Digo “pareceu”, porque dados fiáveis do Deutsche Bank (Discussion Paper No 28/2013) mostram que nos últimos quarenta anos não houve nenhuma significativa convergência de rendimentos no interior da UE, ainda que sejam identificáveis algumas variações.  
 
Depois de 2000, a ignorância militante dos nossos governantes e a insidiosa penetração do neoliberalismo no coração das instituições europeias fizeram com que as correntes subterrâneas da história voltassem à superfície. O terceiro momento europeu, iniciado com a vinda da troika e concluído com a sua saída (2011-Maio de 2013), pareceu ser de início um novo  momento europeu de rejeição disfarçada de aceitação, mas acabou por ser o momento de rendição com prisão preventiva e saídas precárias. Do Deutsche Bank ao FMI, os relatórios são unânimes em mostrar que Portugal, longe de convergir, vai continuar a divergir da Europa desenvolvida. Ou seja, o objectivo da integração na UE fracassou, um fracasso que, com doses brutais de mistificação, se apresenta como êxito. Depois da Guerra do Vietnã, nunca uma derrota  se disfarçou tão bem de vitória. Dado o seu novo estatuto, Portugal, para não estorvar, tem de ser mantido dentro, mas do lado de fora, e vigiado. 

Portugal sai da Europa seguro pela trela curta do euro e do tratado orçamental. Não pode ir muito longe. Arranjará um lugarzito na soleira da porta da Europa, um país sem-abrigo por onde passarão regularmente os carrinhos da sopa humanitária. É digno de nós, como portugueses e como europeus que não haja alternativas a este estado de coisas? Claro que não. Estará o atual sistema político-partidário em condições de explorar essas alternativas? Claro que não. Como em democracia há sempre alternativas, o regime atual é democrático? Claro que não. Haverá então alternativas democráticas, quer a nível nacional quer a nível europeu, a este regime autoritário? Claro que sim.
 
Para isso, é necessário que a jangada de pedra , tão premonitória, se afaste o suficiente para romper com a trela ou para forçar que ela seja refeita de modo a dar mais margem de liberdade ao movimento da jangada. Não esqueçamos que os cães são os melhores amigos dos homens. O cão de Saramago, Constante, no momento crucial de ter de decidir, optou pela península ibérica.

quinta-feira, maio 15, 2014

A silenciosa decadência dos shopping-centers

op
http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17389


A silenciosa decadência dos shopping-centers

Shoppings abandonados inspirara m otrabalho fotográfico do artista Seph Lawless
Shoppings abandonados inspiraram otrabalho fotográfico do artista Seph Lawless
Sem alarde, um símbolo do capitalismo e da privatização do espaço urbano declina — nos EUA, onde apareceu, e também no Brasil
Por Roberto Amado, no DCM
Um dos maiores ícones do capitalismo está em decadência. A época do apogeu dos shopping centers já passou e há sinais eloquentes de que esse modelo de negócio está acabando — assim como o consumismo excessivo.
Nos Estados Unidos, onde eles foram inventados, cerca de 15% no shoppings vão falir ou serão transformados em outros espaços comerciais nos próximos dez anos, segundo a Green Street Advisors, empresa americana ligada a empreendimentos comerciais. Outra empresa do ramo, a CoStar Group, calcula que, em média, 35% dos espaços das lojas dos shoppings americanos estão ociosos.
Essa situação inspirou um trabalho fotográfico do artista Seph Lawless sobre os shoppings abandonados nos EUA (sephlawless.com/black-friday-2014) e algumas reflexões bombásticas. “Dentro de 15 anos, os shoppings americanos estarão completamente anacrônicos, uma aberração que durou sessenta anos mas que deixou de atender às necessidades do públicos e das comunidades”, disse Rick Caruso durante a convenção anual da Federação Nacional de Varejistas dos EUA— ele é o dono da Caruso Affiliated uma das maiores empresas a operar negócios imobiliárias no setor de varejo.
É verdade que o boom dos shoppings ainda se manifesta em países como a China e a Índia. E até mesmo no Brasil há crescimento: segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), existem 500 shoppings no País e, até o fim do ano, serão 530. Mas não há otimismo no setor. Segundo o informativo setorial de shopping centers do Ibope Inteligência, “a taxa média de vacância nos 36 shoppings inaugurados no ano passado foi de 50%, ou seja, de cada duas lojas uma estava fechada por falta de locatário.
O cenário é ainda mais assustador entre os shoppings inaugurados no segundo semestre. A taxa média de ocupação em 21 shoppings inaugurados a partir de setembro foi de apenas 38%; alguns shoppings inaugurados no último trimestre do ano tiveram taxas de ocupação inferiores a 20%”.
Esse início de crise tem inspirado reflexões sobre o modelo de negócio até de quem depende dele — como, por exemplo, a cadeia de lojas Gap, dos Estados Unidos. “Nós já estamos assumindo a decadência dos shoppings. É um modelo de negócio que funcionou durante um curto espaço de tempo”, disse Glenn Murphy, o CEO da Gap, em recente entrevista, referindo-se aos aspectos negativos dos shoppings — estacionamentos lotados, preços e custos elevados, ambiente fechado e concentração de pessoas em áreas reduzidas.
Murphy alerta para uma tendência irreversível: o aumento significativo das compras online. No último trimestre o ano passado, atingiu 6% do total gasto em varejo, praticamente dobrando em relação ao mesmo período de 2006.
Mas essa é apenas a superfície da questão. A verdade é que, desde a crise financeira de 2008, o varejo nos Estados Unidos tem perdido força progressivamente, ao mesmo tempo em que começam a surgir movimentos, reflexões e pensadores que combatem o consumismo excessivo que tem caracterizado a última década. “O modelo consumista atingiu seu limite e se tornou uma atividade preocupada apenas com resultados imediatos, produzindo um estupidez sistemática que impede uma visão em longo prazo”, diz o filósofo francês Bernard Stiegler, autor do livro “Uma Nova Crítica à Política Econômica”.
Esse discurso tem sido sustentado por algumas facções e grupos dedicados à questão do aquecimento global, referindo-se aos recursos naturais finitos e a necessidade de transformação da sociedade de consumo. Ou como diz Amitai Etzioni, professor de política internacional da Universidade George Washington: “O consumo excessivo, que nos leva a comprar casas maiores, carros mais caros, roupas mais transadas e tecnologias mais fascinantes prometem felicidade, mas nunca entregam. Apenas provocam o desejo de mais, sempre mais. E aos poucos começa a roubar sua vida e consumir nossos recursos limitados”.

sábado, maio 10, 2014

Galeano afirma que não leria de novo ‘As veias abertas da América Latina’

adital
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=80511


Galeano afirma que não leria de novo ‘As veias abertas da América Latina’

Adital
Quando foi escrito, em 1971, o livro As Veias Abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, logo se transformou em um clássico da esquerda latino-americana.
No livro, o escritor fez uma análise da história da América Latina sob o ponto de vista da exploração econômica e da dominação política, desde a colonização europeia até a contemporaneidade da época em que foi lançado. Isso em um período contextualizado pela Guerra Fria (1945-1991), e pelo início de um ciclo de regimes ditatoriais nos países latino-americanos.
A publicação de Galeano era tão identificada como sendo uma obra revolucionária e de esquerda, que foi banida na Argentina, Chile, Brasil e no Uruguai, durante as ditaduras militares nesses países. Galeano chegou a ser preso em solo uruguaio, e depois obrigado a se exilar, primeiramente na Argentina, e depois, na Espanha.
Mais de 40 anos depois, Galeano revelou que não leria novamente seu livro de maior sucesso. "Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado", disse, durante a 2ª Bienal do Livro de Brasília, realizada entre 11 e 21 de abril na Capital Federal, como noticiaram os jornalistas que fizeram a cobertura do evento. "Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro", disse o escritor, de 73 anos, durante uma coletiva de imprensa.
O episódio demonstra que Galeano assumiu um tom mais ponderado para analisar o maniqueísmo político de outrora. "Em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estadoditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso", disse o escritor. "Em alguns períodos, é a esquerda que comete erros gravíssimos", completou.
O livro foi publicado quando Galeano tinha 31 anos e, segundo o próprio escritor, naquela época ele não tinha formação suficiente para realizar essa tarefa. "A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária", disse. "Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada". Num momento em que esquerda e direita ganham matizes parecidas - no Brasil, os principais partidos, PT e PSDB, por exemplo, trafegam pela social democracia - a reflexão do escritor uruguaio chama a atenção.
Em 2009, durante a 5ª Cúpula das Américas, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez deu uma uma cópia do livro de presente ao presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Na época, o livro saiu da posição 54.295 da lista dos livros mais populares do site Amazon.com, para a segunda posição em apenas um dia.
O escritor foi questionado sobre esse episódio, no que respondeu que "Nem Obama e nem Chávez" entenderiam o livro. "Ele (Chávez) entregou a Obama com a melhor intenção do mundo, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel", disse.
A reportagem é de Marina Rossi, publicada pelo jornal El País, 4-05-2014.