terça-feira, agosto 11, 2009

Redes, ambiente e educação ambiental na CPLP


As dinâmicas da conectividade trazem um aporte conceitual muito interessante, para quem trabalha com grupos de pessoas, mais ainda para quem trabalha com grupos de países – redes.

A definição de 'rede', segundo WWF (2004), corresponde a “uma arquitetura plástica, não-linear, aberta, descentralizada, plural, dinâmica, horizontal e capaz de auto-regulação. (...) forma de organização caracterizada fundamentalmente pela sua horizontalidade (...)” (p. 73). Traduzindo-se "ordem" como “o processo de ordenar um conjunto de elementos em razão de um objetivo ou finalidade”, “produzida por uma dinâmica de auto-ajuste recíproco entre cada um dos elementos que compõem a rede, em função de laços de realimentação” (CAPRA, 2001), ela [a ordem] “emerge das relações entre os elementos”, sendo “uma co-produção de todos” (WWF, 2004, p. 74).

Qualquer rede é de natureza única: ao mesmo tempo em que os pontos que a compõem, vistos de forma individual, provêem de distintas formas institucionais de organização, onde “conjuntos de atribuições, papéis, regulamentos, cargos e departamentos” estão presentes, o seu “modo de operação é distinto das formas tradicionais de funcionamento das organizações hierárquicas, burocracias e instituições”, por exibirem princípios tais como a participação voluntária (“pessoas (ou organizações) participam da rede quando querem e porque assim o desejam. (...) decidem compartilhar do projeto coletivo de rede porque acreditam e investem nele”, WWF, 2004, p. 75); autonomia, resultando as normas de “pactos e consensos estabelecidos por todos”; diversidade; isonomia, ou seja, “todos são iguais politicamente, isto é, todos têm direito ao mesmo tratamento e compartilham os mesmos direitos e deveres” (p. 79); insubordinação, exigindo que se “exercite um jeito de trabalhar amplamente baseado em cooperação e decisão compartilhada” (p. 81); desconcentração de poder (“a morfologia da rede evidencia a impossibilidade de se definir um centro para a teia das conexões”, p. 82); e multiliderança, na medida em que os integrantes da rede são pares entre si, convergindo todo o poder da rede para cada nó, conforme as circunstâncias e o momento.

Todos estes príncipios são comuns e coincidentes à educação ambiental (EA) cuja construção se trabalha no 'Projeto de EA na CPLP'. Princípios como alteridade, participação, pertencimento, democracia, emancipação, ética, cidadania, mobilização, precisam estar subjacentes à dinâmica da conectividade. Lembre-se que a horizontalidade característica da rede, longe de implicar uma situação de equilíbrio, impõe enormes desafios ao processo organizativo, obrigando à criação de mecanismos de articulação das multilideranças, articulação que promova sinergia entre os pontos, os conecte e os interligue em um diálogo produtivo, na verdade, um tipo especial de coordenação. Essa funciona apenas como elemento regulador do sistema, articulando as múltiplas lideranças e a devida coordenação de suas ações diferenciadas. O princípio de funcionamento que orienta a coordenação é a democracia, principalmente nos “mecanismos de resolução de conflitos, de construção coletiva de consensos e de decisão compartilhada” (WWF, 2004, p. 87). Apoiada na comunicação, como “insumo necessário para a organização da rede” (p. 86). Por causa da diversidade dos integrantes do grupo e da sua dispersão espacial, a comunicação precisa ser permanente, a fim de que o conjunto seja orgânico e aconteça “troca de fluxos formadores e reguladores, na qual uns vão construindo, moldando, alterando impressões, idéias, visões de mundo, valores e projetos dos outros e vice-versa” (p. 86). Voltando à figura de rede, os pontos são importantes, mas a existência, o exercício e a organicidade da rede dependem das linhas.

A auto-gestão da rede é possível pelo fato de ela poder ser assemelhada a uma “comunidade de propósito”, como referido anteriormente, as pessoas optam por fazer parte de uma rede, em torno de um objetivo comum. Os países participantes do 'Projeto de EA na CPLP' comungam dos propósitos que do projeto fazem parte, sua estrutura, seus objetivos, atividades e metas, princípios e anseios. Essa rede é mantida coesa à medida que o respeito a esses valores, sua atualização e repactuação permanente, acontecem. Isso se dá pela dinâmica das conexões.

A morfologia de uma rede diz-nos ainda como o fluxo de informação – velocidade e qualidade – acontece: “de forma não-linear, para todos os lados; em ondas de propagação não controlada; e produzindo novidade (...) por onde passa” (WWF, 2004, p. 117). O estabelecimento de conexões em uma rede é equivalente ao estabelecimento de “vias de comunicação nas quais sentidos são trocados, transformados, distribuídos” (p. 118). Na verdade, uma rede é uma estrutura de comunicação. Deduz-se daqui “um bom indicador da qualidade dos processos na rede: quando a informação flui, há uma operação plena na rede; quando a informação pára, é concentrada ou represada, há um processo de concentração ou desconexão em curso” (p. 119). Em potencial, a comunicação deve acontecer de todos com todos – “a comunicação não pode ser de mão única e a distribuição da informação deve se dar também de forma descentralizada e não linear” (p. 119). É nesta lógica que devem ser pensados, organizados e pensados os instrumentos de comunicação.

O Projeto pensou nos recursos para comunicação à distância, nas mídias convencionais, que dependem da animação do desejo que alimenta a rede e suas intenções. Por causa da fluidez da organização em rede (“submetidas à dinâmica dos afetos de quem participa delas”, p. 130), tanto mais evidente quanto maior a distância entre seus pontos – como é o caso dos países que são membros da CPLP, que mais sofrem das instabilidades políticas, sociais e econômicas inerentes a qualquer projeto transnacional – a sua fragilidade é grande e o exercício da participação, exigente e complexo.

Por esse motivo são fundamentais momentos presenciais entre os pontos que normalmente só se conversam em espaços virtuais, facilitados pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC’s).

O mais poderoso “meio de comunicação” é, sem dúvida, a situação de conversação, seja ela entre duas pessoas ou num ambiente de grupo. Enumerar os motivos que sustentam tal afirmação seria exaustivo, mas basta ressaltar um aspecto, conexo aos príncipios da rede, para justificá-la: a dinâmica complexa de realimentação (e, portanto, auto-regulação) mobilizada pelo contato fisíco-afetivo-simbólico entre seres humanos implicada na conversação. Cheiros, sinais corporais, imagens, imagens mentais, processos lógicos, são trocados de forma vertiginosa, não-linear e simultânea, quando duas ou mais pessoas empreendem um diálogo.

Esta aparentemente óbvia constatação é, contudo, decisiva para o projeto de comunicação e para o fomento à participação no âmbito da rede. A animação depende da criação desses espaços de conversação, o terreno mais propício ao surgimento dos laços sociais – que se traduzem também em vínculos de afeto entre as pessoas e que são vitais para o pleno desenvolvimento das redes. A interação face-a-face e a “comunicação sem distância” que ela agencia impõem-se como o principal agente catalisador das ações. Em outras palavras são os principais influxos de ânimo, ou sopros de vida, das redes.

Em termos práticos, criar espaços de conversação significa promover encontros presenciais, nos quais os participantes da rede possam ter a oportunidade de estabelecer contatos, conversar, trocar idéias e intercambiar experiências, se reconhecer no outro, construir sensos de identidade, comparar diferenças e criar vínculos afetivos. (WWF, 2004, p. 131, 132)

O Projeto prevê reuniões que congreguem os seus pontos focais (Comitê Gestor), correspondendo a um desses espaços de conversação, mais do que contatos de articulação, reuniões de trabalho, que caracterizam “momentos de trabalho, de decisão, de intercâmbio técnico, de manifestação política” (p. 132), além de momentos de interação pessoal, onde se anima a participação na rede que é o Projeto. É estratégico que a realização desses encontros seja regular e periódica, inclusive, assim como a comunicação à distância pode ser afectada negativamente se esses momentos mobilizadores são escassos ou distantes, também é nessa situação presencial que podem se agregar mais pontos à rede e fortalecer os pontos chave que a mantêm operacional.

Prevê também missões de formação técnica, como a que teve lugar o ano passado, em caráter experimental, em São Tomé e Príncipe. Além do Seminário de EA na CPLP.

A Plataforma de Cooperação na área ambiental da CPLP percebe toda esta teoria e só neste segundo semestre de 2009, três eventos de relevo tiveram (ou terão) lugar. Relacionados ao combate à desertificação, às questões energéticas e planejamento e gestão das zonas costeiras dos países CPLP, são estratégicos e imperdíveis.

Sugere-se a consulta individual dos referidos momentos presenciais na página da CPLP:

http://www.cplp.org/Ambiente.aspx?ID=126


Referências bibliográficas

CAPRA, F. A teia da vida – uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2001.

WWF-Brasil. Redes – Uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. 2. ed. Brasília: WWF-Brasil, 2004. 161 p.

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