terça-feira, janeiro 14, 2014

Em um planeta estressado, o mapa da sobrevivência

o globo
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Em um planeta estressado, o mapa da sobrevivência

  • Com os ecossistemas no limite, o esgotamento da Terra nunca esteve tão em evidência. Agora, pesquisadores tentam entender como é possível resistir às alterações extremas que vêm pela frente
BOLÍVAR TORRES
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Envoltos pela poluição, praticantes de tai chi chuan tentam manter o equilíbrio em Jiaozuo, na China
Foto: Reuters
Envoltos pela poluição, praticantes de tai chi chuan tentam manter o equilíbrio em Jiaozuo, na China Reuters
No mundo atual, não há quem não esteja familiarizado com os efeitos do estresse. Correria contra o relógio, necessidade de se adaptar a mudanças bruscas e montanhas russas emocionais já fazem parte da nossa rotina, exigindo respostas que, muitas vezes, fogem do nosso alcance. Mas engana-se quem pensa que esta condição é exclusiva dos seres humanos.
Historicamente, o estresse sempre acompanhou a evolução, moldando os ecossistemas desde o início dos tempos. Suas consequências, porém, nunca estiveram tão aparentes quanto neste século. Em um planeta cada vez mais castigado por alterações extremas, atinge a todos os componentes da vida. O complexo “sistema Terra” está sob intensa pressão, e as circunstâncias já fogem do controle. Diante disso, o estresse se tornou um tema de peso dentro da pesquisa acadêmica, abrangendo diversas áreas de estudo. Entender o que torna possível a resistência diante de situações desfavoráveis se tornou um ponto chave para a ciência.
— Temos agora uma boa noção de como a biologia funciona e cada vez mais nos debruçamos nas razões que fazem um sistema se tornar vigoroso quando é desafiado, ou seja, quando é colocado sob uma situação de estresse — explica Shireen Davies, professora da Universidade de Glasgow, em entrevista à Revista Amanhã. — Num contexto mais amplo, começamos a analisar o estresse em um nível macroscópico. Da crise monetária internacional às crises climáticas, estamos vendo sistemas essenciais, dos quais sempre dependemos, sendo empurrados para fora do seu alinhamento.
Novos insights
Shireen editou, em parceria com os pesquisadores Julian Dow e Ken Lukowiak, uma das mais abrangentes coletâneas de artigos sobre o tema. Publicada em dezembro no “Journal of Experimental Biology”, reúne especialistas de campos distintos, oferecendo novos insights de como os sistemas vivos podem responder às mudanças no meio ambiente. A coletânea é uma prova de que, cada vez mais, o mundo acadêmico começa a esmiuçar o “fator estresse” por múltiplos ângulos, dos mecanismos moleculares à resposta celular de populações inteiras. Para os editores, a ideia era costurar as diferentes abordagens em um mesmo foco.
— Percebemos que, apesar de terem abordado o problema a partir de variados pontos de vista, a questão era essencialmente a mesma, pois todos eles estavam estudando a maneira como os sistemas respondem quando são escanteados de suas áreas normais de vida. Assim, a coletânea foi organizada para tentar unir esses cientistas, e para que eles pudessem aprender uns com os outros — diz Shireen
Dada a amplitude do assunto, a própria noção de estresse se tornou movediça. Para o professor da Universidade de Glasgow Julian Dow, um dos editores da coletânea, o termo poderia ser explicado como “perturbação externa à homeostase ideal de um organismo”. Homeostase é a maneira como os seres vivos tentam regular o seu ambiente interno para manter uma condição estável.A agressividade inédita do estresse contemporâneo, intensificada pela influência humana, está desregulando como nunca o equilíbrio do planeta. E isso não vale apenas para os sistemas vivos, mas também para a Terra como um todo.
— É comum associarmos o estresse a um problema da sociedade humana, mas na verdade ele se aplica tanto na biologia quanto nas ciências físicas — explica Dow. — Eu definiria o estresse como algo que perturba o equilíbrio ou o funcionamento normal de um sistema. Para nós, humanos, poderia ser um problema no trabalho, uma infecção, ou demandas físicas extremas. O mesmo acontece com plantas, animais ou micro-organismos, só que sem a parte do trabalho. Na física ou engenharia, seria uma força que tende a mudar a forma natural de um objeto. Mas, na verdade, estes são acontecimentos análogos.
Colapso global
A criação e extinção de espécies é um processo contínuo ditado pelo ritmo de variações aleatórias. O problema é que, no cenário atual, as espécies encontram cada vez mais dificuldade de acompanhar as alterações do planeta, intensificadas pela ação do homem.
— O equilíbrio sempre se dá pela competição da força externa e a capacidade regenerativa de um sistema. Só que essa capacidade não é ilimitada. E a influência do homem no planeta está extrapolando este limite — afirma Alexandre Costa, especialista em ciências atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado e professor titular da Universidade Estadual do Ceará. — Hoje, a taxa de extermínio de espécies ocasionada pelo homem chega a ser 100 vezes superior aos índices de extinção por causa natural.
Para muitos acadêmicos, a influência do ser humano do planeta é tão forte que criou uma época geológica só para si, o Antropoceno. Criado pelo químico holandês Paul Crutzen, Nobel de química em 1995, o termo significa a “idade recente do homem” — uma referência ao curto período que representa a Humanidade dentro dos 4,5 bilhões de anos da História do planeta.
Esta presença impactante, porém, já interfere em quase todos os ecossistemas. Quando a população mundial chegar aos 9,2 bilhões previstos para 2050, a pressão sobre os recursos naturais do planeta poderá se tornar insustentável. A possibilidade de um estresse hídrico é real, com dois terços dos seres humanos sofrendo com escassez de água doce até 2025.
Mundo desconhecido
Sobram exemplos de estresse em organismos vivos causado pelo fator humano. Às vezes, são pequenos detalhes, como motores de navios que interferem na comunicação das baleias, obrigando os cetáceos a mudar seus padrões de comunicação quando o lugar é mais barulhento. Outros casos assumem proporções mais amplas. A possível extinção das abelhas, principais polinizadoras de nossas flores, frutas e verduras, causará um enorme efeito cascata. Mais de um terço da produção mundial de grãos depende delas.
Espécies populares em extinção ficam em evidência, como a onça-pintada, o urso panda ou o rinoceronte. Mas são apenas pequenos exemplos diante do quadro alarmante que compõe a extinção. Segundo dados da União Internacional para Conservação da Natureza, um em cada quatro mamíferos, uma em cada oito aves e um em cada três anfíbios correm perigo. Mas a instituição analisou não mais do que cerca de 40 mil das 1,5 milhão de espécies já catalogadas.
Um vasto mundo ainda permanece desconhecido, e é provável que boa parte dele acabe antes que o descubramos. De acordo o biólogo Edward Wilson, da Universidade de Harvard, os humanos levarão à extinção metade de todas as espécies de plantas e animais antes do final deste século.
Dança das espécies
Shireen Davies acredita que um dos principais desafios da atualidade é identificar quais espécies são mais ou menos resistentes, e que implicações isto terá no futuro:
— Por exemplo, sabe-se que o coral é vulnerável, sendo facilmente morto por pequenos aumentos de temperatura da água. Mas não se sabe se todos os corais do mundo vão desaparecer ou se apenas os recifes lentamente migrarão para longe do equador.
A competição pela vida é uma dança das cadeiras. Uma espécie pode ser extremamente adaptada ao seu sistema a ponto de dominá-lo. Porém, se este ambiente muda, ela perde espaço para as mais generalistas, capazes de sobreviver em diferentes condições. As que têm mais chances de resistir a alterações, portanto, são aquelas com habilidade para unir estas duas características. Praticamente inalterado durante 25 milhões de anos, o ambiente marinho antártico proporcionou a evolução de espécies com baixa tolerância a mudanças de temperatura. Publicada na coletânea, uma pesquisa de Lloyd Peck, em parceria com o Instituto de Estudos Marinhos da França, aponta que a taxa de adaptação dos peixes da Antártica é até quatro vezes mais lenta que a dos que vivem em zonas de clima temperado. Por outro lado, uma pesquisa de Heinrich Jasper, Lifen Wang e Jason Karpac, do Instituto Buck para Pesquisas sobre Envelhecimento, nos EUA, mostra que as drosófilas têm uma notável capacidade de sobreviver a uma vasta gama de tensões fisiológicas.
Neste sentido, temos muito o que aprender com alguns animais. É só ver o caso do besouro da Namíbia, que se adapta a ambientes áridos graças a um dispositivo na carcaça que atrai a umidade do ar e a transforma em água. Tal dispositivo inspirou um coletor de umidade do ar de alta eficiência desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
— Ao longo da história houve períodos de mudança nos quais as espécies generalistas se deram bem, e períodos de estabilidade em que as especialistas tiveram a oportunidade de se adaptar — lembra Shireen. — Durante todo esse tempo, as espécies surgiram e desapareceram continuamente, sob o olhar frio da seleção darwiniana.


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